Machado de Assis e o ceticismo

Machado-de-Assis

Joaquim Maria Machado de Assis é um dos meus escritores prediletos e — parece ser unânime — o maior do Brasil. Poderia discorrer sobre tudo que me agrada e me instiga em seus textos. Entretanto, vou me ater a um ponto que considero um mal-entendido: destacar sua crítica social como sua grande marca em vez de seu ceticismo.

É notório que sua literatura, principalmente a da maturidade, é baseada na incredulidade, na incapacidade em se chegar a alguma verdade. A dúvida e a desconfiança estão presentes em seus maiores romances (“Memórias póstumas de Brás Cubas”, “Dom Casmurro”, “Quincas Borba” e “Esaú e Jacó”), juntamente com a ironia e senso de humor que lhe são tão peculiares.

Por que insisto no ceticismo do Bruxo do Cosme Velho? Porque Machado também é conhecido por retratar a realidade de seu tempo; os costumes da época; as relações de poder; e, por que não, as classes sociais do Império e do começo da República. Desta perspectiva, estudiosos afirmam que ele faz crítica social por meio de sua obra.

O que me parece inapropriado é associá-lo a algum engajamento, como se o que brilhantemente escreveu tivesse a intenção de denunciar mazelas; de buscar por mudanças. Lembremos: Machado de Assis era cético. Mesmo as transformações que viessem revestidas com as melhores intenções seriam vistas com receio por alguém como nosso grande literato.

Onde está o equívoco citado no começo do texto? Se o ceticismo é o que norteia a obra de Machado, atribuir-lhe um caráter reformador ou mesmo progressista é apequenar sua maior faceta. É possível encontrar em seus textos uma visão crítica à escravidão, às relações de poder e à realidade do fim do Segundo Reinado e do começo da nossa República? Sim, mas por serem consequência das contradições humanas.

Assim como Shakespeare, o que lhe interessa é o que reconhece como próprio do ser humano. Ainda que sociedades possam se modificar — e se modificam — com o passar do tempo, atributos da natureza humana parecem perdurar. E mesmo esses atributos são vistos por Machado com ressalva. Daí a recorrência de temas como vaidade, inveja, hipocrisia e mediocridade em sua obra, especialmente em seus contos e romances.

No livro “O ceticismo na obra de Machado de Assis”, o autor , José Raimundo Maia Neto, qualifica o ponto de vista cético como o que fundamenta a ficção machadiana. Antes de um observador de tradições e costumes, o criador de Capitu, Bentinho, Brás, Quincas e de outros personagens enigmáticos era um observador da alma humana. E por isso é o maior da nossa literatura — Guimarães Rosa vem logo atrás pelo mesmo motivo: são universais mesmo quando escrevem sobre o particular.

Publicidade

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s