Xadrez de rua com o Jean

Foto por Artur Roman em Pexels.com

No começo deste ano, no fim de janeiro, ao me sentar para assistir a uma partida de xadrez de rua, próximo à estação São Bento do metrô, conheci o Jean. “Sou morador de rua e alcoólatra”, assim apresentou a si mesmo enquanto se aproximava de mim para desabafar. Eu estava com um lata de cerveja na mão: ele não me pediu a bebida; nem eu a ofereci.

Além de me falar sobre partidas, contando seus lances e do adversário, me garantiu que durou mais de 30 movimentos ao enfrentar um mestre internacional de xadrez pela internet — não guardei o nome do grande enxadrista.

Também me disse que Ogum está comigo; que minha esposa me ama muito; e que devo dar espaço para ela — deve ter notado minha aliança ou realmente tem poderes mediúnicos.

Enquanto terminava de beber minha lata, ainda ouvi um pouco mais sobre a vida de Jean. Ele aparentava ter mais ou menos a minha idade, entre os 30 e os 40 anos. Também me contou que serviu ao exército.

Pela quantidade de histórias que tinha, e da forma como ia encaixando uma ideia na outra, tive a impressão de que ele é mais um dos que estão na rua que sofrem de transtorno ou doença mental. Só não sei se a confusão psíquica veio antes ou depois de sua estada pelos logradouros da região central de São Paulo.

Voltamos a prestar atenção à partida sendo jogada. Fiquei sabendo que, entre os presentes, havia frequentadores assíduos. Eles sabiam entre si como cada um joga, quem é melhor etc. É possível que, se não fosse pelo xadrez, talvez nunca tivessem se encontrado. Não reparei em nenhuma mulher jogando, mas havia jovens e velhos; pobres e remediados; os que tinham o tempo livre e os que, assim como eu, tinham saído do trabalho e pararam para dar uma olhada ou jogar.

Percebi aquele lugar como um microcosmo em que as pessoas tinham o intuito de jogar ou assistir às partidas de xadrez. Entretanto, talvez sem se darem conta, acabaram ganhando algo mais. Não eram só companheiros ou camaradas uns dos outros: eram, provavelmente, amigos unidos pelo xadrez.

Dei meu último gole. Quando avisei que iria embora, eu e Jean apertamos as mãos. Levantei-me para jogar a lata vazia no cesto de lixo e me despedi do Jean mais uma vez, acenando. Peguei o metrô e fui pra casa.

Ainda passei algumas vezes por lá, mas não vi mais o Jean. Talvez o tenha visto de relance uma vez mais, mas não tenho certeza.

Depois veio a quarentena.

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