No caminho

Foto por Pixabay em Pexels.com

Eram já cinco da tarde. Estava eu e outros comparsas de bar a beber e falar besteira no boteco da rua do comércio da cidade. Quando, inesperadamente, notei um som que, quase inaudível a princípio, se intensificava à medida que se aproximava. No começo não percebi o que era, mas com o chegar das pessoas, entendi: era uma procissão! Um grupo de dez ou quinze pessoas a rezar suas ladainhas em uníssono, e a carregar o que parecia ser um pesado andor. Na maioria eram mulheres, mas havia alguns homens e crianças.

Ao passarem por nós, notei que um dos quatro homens que levava o andor nos ombros estava quase a cair, não aguentando mais segurar o que lhe cabia. Sem nem pensar direito, corri em sua direção e disse:

— Senhor, vejo que não está mais conseguindo carregar. Deixe que eu assumo o seu lugar.

Pra ser sincero, nem sei por que me ofereci. O homem me olhou com um misto de desconfiança e alívio.

— Não posso ceder meu lugar. Me comprometi a ajudar a levar o andor até a igreja matriz, e  não devo desistir agora. Além disso, não tenho certeza se vai cumprir o que me oferece.

Vale notar que a conversa se desenrolava com os romeiros ainda em movimento, e eu a acompanhá-los.

— Pode ficar descansado. Prometo que cumprirei a minha oferta.

O homem por fim teve confiança e cedeu o lugar, já agradecendo a bondade que eu fazia.

A princípio, o andor pareceu leve. Contudo, foi só andar alguns metros para que o seu verdadeiro peso me atingisse o ombro e as costas.

Andamos ainda uns bons quilômetros, e a dor foi se intensificando. Pensei em abandonar a empreitada no meio do caminho, não nego. Mas continuei, mesmo sem saber a razão, a empreender um esforço que me parecia sem sentido. Quando a dor já estava a ponto de me desesperar, chegamos, enfim, ao destino.

Mesmo não sabendo o que me motivou a ajudar o homem, confesso que fazê-lo me fez bem. Pensei até que eu poderia ser bom. Mas a benéfica sensação durou apenas até a hora de dormir. Já no dia seguinte não via a hora de correr para o botequim mais próximo e me intoxicar um pouco mais, como venho fazendo há anos.

Ainda torço para que outro necessitado passe por mim; e que eu possa acudi-lo. Só mais uma vez que seja! Quem sabe na próxima tomo jeito…

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