
Bianca andava atarantada pelo centro da cidade. Passou diversas vezes pelos mesmos pontos e estacou em frente ao teatro municipal. Estava cansada de tanto caminhar. Ainda tinha tempo até seu compromisso, marcado para as duas horas da tarde.
Sentou-se para descansar alguns minutos, reparando no entorno: um fluxo constante de pessoas, provavelmente indo ou voltando do almoço; lixo emporcalhando as calçadas; moradores de rua perambulando como zumbis… Corrigiu-se, não é legal julgar os outros sem conhecê-los. E mesmo se os conhecesse, não deveria julgá-los. Resumidamente, a miséria era-lhe evidente, e não podia deixar de pensar se não seria melhor que mais um bebê não viesse a este mundo.
Ergueu-se com dificuldade e andou em direção à catedral. No caminho, o outro lado da moeda reluzia desta vez: nascer e morrer é o comum. Tantas pessoas têm filhos, muitas em situação muito pior que a sua, por que não poderia ela ter o seu também?
Acariciou a barriga com ternura, mas um pavor lhe veio à mente.
— Será que consigo? Já está quase na hora do meu “compromisso”. Vou ou não vou?
Quando se aproximou da praça central, avistou o topo da igreja e viu: a cruz brilhava com a incidência da luz solar. Era um dia claro. Carregaria ela sua cruz? Se sacrificaria por alguém que ainda nem nasceu? Nem havia contado ainda ao pai da criança. A dúvida ainda dominava seus pensamentos.
Olhou o relógio: dez para as duas. É agora!
Encarou o topo da igreja mais uma vez. Resoluta, deu meia volta e, sem olhar para trás, regressou para casa.
…
Alguns meses depois Bianca deu à luz uma linda menina. Quando teve que escolher o nome, não titubeou: Clara. Parentes e amigos perguntavam: “Por que Clara?” A mãe nunca respondeu. Só ela saberia o motivo. Só ela saberia que Clara era uma homenagem à claridade que lhe veio no dia da escolha.