
Antônio caminhava sossegadamente de volta para casa. Depois de um dia exaustivo na fábrica manejando máquinas, Tôni — como também era chamado — finalmente iria retornar para os braços de sua esposa, Laura, e de seus três filhos: Carlos, José e a pequena Giovana. Carregava duas sacolas, uma em cada mão, e não poderia perdê-las de jeito nenhum.
Para sua surpresa, a segunda metade do caminho, que sempre fazia a pé, foi mais atribulada que de costume. Logo ao chegar na avenida …, avistou o que parecia ser uma grande aglomeração. Era um protesto. Seu sangue inflamou-se. Lembrou-se de sua juventude. Se fosse em outros tempos, era capaz que se juntasse aos manifestantes. Porém, hoje, mais do que nunca, tinha que chegar em casa o mais depressa possível. Apertou as alças das sacolas e continuou andando.
Ao alcançar a manifestação, aproximou as sacolas do corpo e foi se embrenhando em meio às pessoas, vencendo pouco a pouco o agrupamento. Levou alguns esbarrões, mas nada forte o bastante para derrubar as sacolas. Quando estava perto de sair do cardume humano, alguém o acertou com mais força — talvez um encontrão involuntário —, e ele quase caiu no chão com as sacolas. Chegou a ficar furioso, mas conteve-se para não começar uma briga ali na hora. Seu pior defeito — e pecado — sempre foi a ira.
Demorou alguns minutos para se livrar de todos os maus pensamentos. Lembrar-se do que carregava e para onde estava indo ajudaram-lhe a se acalmar. Continuou a caminhada.
O próximo empecilho viria umas ruas adiante. Uns moleques importunavam os transeuntes e tentavam furtar quem eles não fossem com a cara. Quando o viram, insinuaram que levariam o que ele carregava. Antônio foi curto e grosso:
— Sou trabalhador e não quero encrenca, mas se tentarem pegar minhas sacolas, não respondo por mim!
Os garotos viram que ele não estava para brincadeira e desistiram:
— Calma, tio! Tudo bem, pode ir.
Outra vez teve que se conter e se acalmar. Muitas vezes já ouvira da esposa que se não aprendesse a dominar seu gênio, acabaria matando alguém ou morrendo por alguém. Pediu a Deus para que não o deixasse cair na tentação da violência. Serenou mais uma vez.
O terceiro estorvo veio um quarteirão à frente. Policiais vinham na procura do grupo de arruaceiros e lhe perguntaram se sabia de algo. Apontou para o sentido de onde vinha e vociferou:
— Logo ali, adiante, tem uns moleques que estão incomodando quem passa. Inclusive, tentaram me furtar! Acho que os senhores podiam ser mais eficientes, não?!
Um dos oficiais ficou ofendido:
— Olha como fala! Se responder mais uma vez assim, vai ser preso por desacato, entendeu?
Antônio teve que engolir o orgulho. Sabia que tinha alguma razão, mas também sabia que não deveria falar com autoridades de qualquer jeito. Ele mesmo não tinha o costume de desrespeitar quem quer que fosse, ainda mais alguém que estava apenas exercendo seu ofício. Para não explodir de vez, implorou a Deus que lhe livrasse do mal que tanto o afligia: a cólera, que quando não é santa, é o verdadeiro inferno.
Acabou sendo liberado. A vergonha lhe cobriu a face. Não tanto por ter sido repreendido pela polícia, mas por achar que o veriam como alguém desequilibrado, que não sabe se dominar.
Abatido, prosseguiu o caminho — já estava chegando em casa. Continuava carregando suas sacolas.
Depois de mais alguns minutos andando, finalmente avistou a fachada de seu querido lar. O mau-humor sumiu quase que instantaneamente. Mal abriu a porta e adentrou a sala, seus filhos correram para abraçá-lo; sua esposa se aproximou ternamente para beijá-lo. Acabando os cumprimentos, disse:
— Demorei, mas cheguei!
— Você demorou mesmo, Tôni. Aconteceu alguma coisa?
— Tive uns contratempos no caminho, mas nada com que se preocupar…
— Não arrumou briga, né?
— Não, mulher. Fique sossegada.
— Trouxe tudo o que precisava?
— Sim, está aqui…
Mal terminou de falar, os filhos rapidamente começaram a fuçar as sacolas — o que causou nos pais contentamento e um leve sorriso de parte a parte. Dentro de uma encontraram pão um pouco amassado, mas inteiro; na outra, uma garrafa de vinho levemente lascada — mas não o suficiente para que o líquido escorresse. O ensopado de legumes já pronto na panela esperava ser servido. A refeição não seria um banquete, mas seria farta o suficiente para os cinco.
Todos se sentaram à mesa; fizeram, de mãos dadas, a prece costumeira; e comeram e beberam com alegria. Era Quinta-feira Santa.