
Imagine uma floresta frondosa, com árvores de várias espécies e tamanhos, assim como plantas rasteiras e arbustos compondo o quadro visual. Repare em sua exuberância, sua gradação de cores e formatos. Agora mude o cenário: pense em uma única muda em meio a um solo seco e craquelado ou mesmo uma única flor nascendo no asfalto.
Perceba que no primeiro ambiente, carregado de vida, é mais difícil notar cada vegetal individualmente. O “excesso” da paisagem nos anestesia da importância de cada espécime para a formação do todo. Já nos outros lugares, inóspitos, percebemos a força da planta ou flor que, apesar do ambiente hostil, consegue se sobressair e afirmar sua existência.
Agora façamos uma analogia. A floresta é como nossa sociedade, apinhada de gente. Nunca houve tantas pessoas vivendo juntas como hoje em dia. Em nossas aglomerações também é uma tarefa árdua notar cada vida individualmente, mas todas têm sua importância e participam na feitura da realidade. Por outro lado, alguém que porventura resida em um ambiente isolado ou praticamente inabitável talvez tenha uma consciência maior do quanto vale uma vida. E o ponto é: todas as vidas importam, por mais incipientes que sejam.
Ver a muda que cresce, apesar das adversidades, é algo que dificilmente alguém não veja como belo, ou mesmo poético. E estou falando de uma vida vegetal. Como não ter pelo menos o mesmo apreço ou um afeto ainda maior pelo feto que, se nutrido, crescerá e afirmará sua individualidade também? Como pode alguém amar a planta em potencial que se desenvolve mesmo quando o entorno não coopera e não amar os seres humanos em potencial que são indesejados, tolhidos da possibilidade de existir?
A diferença elementar na pobre comparação entre plantas e seres humanos é que as primeiras podem sobreviver sem a ajuda de suas semelhantes, mesmo nos estágios mais iniciais de sua existência. Não podemos dizer o mesmo da espécie humana.