
Assim como Nelson Rodrigues, tenho meus assuntos que se repetem de tempos em tempos. Um deles é o que acontece comigo em minhas viagens de metrô. Nesta semana, estava eu lendo meu Nelson — pra ser mais exato o livro O óbvio ululante — quando fui abordado por um moço alto, com cabelo bem curtinho, cortado à máquina, de tom entre o loiro e o ruivo.
Ele começou falando comigo em inglês, me dizendo que desceria na próxima estação — estávamos entre as estações Ana Rosa e Paraíso. Aí emendou, já em português com sotaque, que gostou da minha camiseta. Eu estava usando uma com o Dostoiévski estampado na frente. Mal dava pra ver a imagem do escritor, já que costumo usar a mochila junto ao peito quando estou dentro do vagão. Mas ele viu que se tratava do autor de Crime e castigo, e disse, com contentamento: “Sou russo” (com o erre pronunciado de forma branda, como em “caro”).
Se o rapaz ficou contente em avistar um brasileiro homenageando um dos escritores mais conhecidos da literatura de seu país, eu também fiquei contente em ser abordado de forma tão espontânea e genuína. Tive até a impressão que, em outras circunstâncias, com mais tempo para conversar, nos tornaríamos amigos, irmãos em literatura.
Já escrevi anteriormente sobre metrô, minha relação com a Rússia, Dostoiévski e Nelson Rodrigues. Desta vez, todos esses assuntos se mesclaram, como a indicar que coincidências nem sempre são frutos do acaso; ou seja, houve o que Carl Jung chama de sincronicidade. Será sinal para algo além?