Estouros universais

Foto por iStock | Soubrette
Supernovas e buracos negros
Do deserto de Los Alamos comtemplo o céu
Explosões que destroem nossos egos
Gigantescos cogumelos de fogo a ferir nossa intimidade
Do Big Bang ao ocaso final
Apenas um piscar de olhos.

Corpo humanos se desintegrando num corpo celeste
Universos dentro do universo
E mesmo assim, há vida
Por Deus! há vida.
Até quando?

Purgação

Foto por Rene Asmussen em Pexels.com
Desesperos diários: comprei minha’lforria.
Sofri, desisti, voltei a sofrer.
Doce era o corolário: sair da’strebaria.
Purifiquei-me depois de quase morrer.

Demônios e anjos rodeiam meu quarto:
Resquícios da guerra há muito ancestral.
Conflito constante— já chega — estou farto.
Anseio, ardoroso, pelo golpe fatal!

Ou queime a sujeira, em mim entranhada,
Que teima em lograr este corpo febril.
Clemência, eu rogo!, com a face alterada.
Desejo o desfecho — sepulcral desvario.

Sobre pães e peixes

Por coincidências da vida, destino, ou mesmo a Providência Divina — você escolhe, caro leitor — às vezes nossa atenção se volta para alguma questão em específico. A minha da vez é sobre o milagre da multiplicação dos pães e peixes descritos nos evangelhos de Marcos e Mateus.

Enquanto Jesus pregava para milhares de pessoas, seus discípulos notaram que não havia comida suficiente para alimentar a todos. O Filho de Deus poderia, talvez, prover o sustento dos presentes instantaneamente, mas Ele primeiro quis saber quanto havia de comida — apenas alguns pães e peixes — para só depois multiplicá-la.

Para quem tenta ou busca ser o melhor possível, a verdade é acachapante: nunca fazemos o suficiente, estamos sempre a falhar — falhar melhor a cada vez talvez — mas sempre a falhar. Falhamos com nossa esposa, nossos filhos, nossos familiares, nossos amigos ou mesmo com estranhos. E aqui vem a analogia: tentamos alimentar milhares, mas obviamente não temos a capacidade de fazê-lo apenas por nossa conta.

Neste tempo de Quaresma, fico ainda mais desanimado em notar como estou longe de onde deveria estar: não fazendo o bem que quero, mas o mal que não quero. Porém, algo imagino que aprendi. Se nossa postura for a de que somos autossuficientes, presos a nós mesmos, pereceremos. Contudo, se reconhecermos o quão pouco às vezes podemos oferecer — apenas uns pães e peixes — Ele pode, com todo a Sua Graça e Glória, completar o que falta. Queria compartilhar uma confidência… e me saiu um sermão. Paciência.

O primeiro instante

Foto por Lisa Fotios em Pexels.com

Quando te vi andando na rua, foi como o primeiro instante:
O primeiro, quando os amantes se encontram;
O primeiro, quando uma criança faz uma grande descoberta;
O primeiro, quando admiramos o enorme céu acima de nós e relembramos o quão frágeis e insignificantes nós somos…

Amor disfarçado de crença,
Força encobrindo a solidão,
Usar máscaras cansa. Que maçada!
E o momento, aquele primeiro, é o que sobra e basta.

Fim de partida, ou um jogo perdido,
Guerras e impérios,
Os primórdios do universo,
O surgimento da vida, ou mesmo a iminência da morte:

Tudo começa com o primeiro instante.
Assim como, quando passeava a esmo,
Perdido em pensamentos e devaneios,
Encontrei-te andando na rua.

Por que gosto de Dostoiévski e Flannery O’Connor

Tem pessoas que só seriam boas se tivessem uma arma apontada para suas cabeças constantemente. É frustrante constatar quão degradada é a base moral de muitos indivíduos atualmente (provavelmente não só atualmente) — vide noticiário e redes sociais —, mas se formos justos, sabemos que fazemos parte do bolo, e, assim como tantos, também oferecemos ao mundo nosso quinhão de covardia, negligência e mau-caratismo.

Ser bom dá trabalho, tentar sê-lo também dá. Não serei eu a advogar pela desistência da busca ao bem. Por isso, quero comentar dois de meus escritores do coração: Dostoiévski e Flannery O’ Connor. São autores cuja literatura busca a epifania, sutil ou grosseiramente — isso não importa. Só esse sentimento que parece nos revelar algo sobre nós mesmos nos dá a medida certa do quanto importamos (a Alguém) e do quanto somos pequenos diante da graça avassaladora que nos esmaga.

Hoje há muitos que não confessam seus pecados, nem para si mesmos, e só conseguem perceber o mal das coisas quanto ele grita, esperneia e vem vestido a caráter. Mas assim como a mentira se traveste de verdade para melhor ser aceita, o mal — que para uma legião de pessoas nem existe — se regozija ao ser tão pouco notado. Por vezes é visto inclusive como normal, ou mesmo bom e desejável dependendo da circunstância.  

Já faz anos que algumas ideias ficcionais habitam minha mente, mas por preguiça ou fraqueza não as coloquei no papel. As que consegui temo que sejam histórias sem apelo, sem aprofundamento. O que as duas figuras citadas — diferentes em gênero (homem e mulher), localidade (Rússia e Estado Unidos) e momento histórico (séculos XIX e XX) — têm a oferecer é uma literatura potente, que apresenta a cosmovisão de cada autor. Para eles, assim como para tantos outros grandes escritores, o mal existe, e não é apenas uma percepção: é uma realidade. São, portanto, profundamente morais, sem serem moralistas (no sentido pejorativo do termo). Não há crime sem castigo, e tudo que sobe deve convergir. Assim seja.

A fada e a flor

Foto por Maria Ilaria Piras em Pexels.com

Era uma vez uma fada que, em um de seus passeios habituais pelo Reino Encantado, encontrou uma flor que estava muito triste.

— O que que há, Flor?

— Acho que descobri que não quero ter mais minhas pétalas brancas. Será que a senhorita não poderia mudá-las?

— E que cor gostaria que fossem?

— Verdes.

E assim a fada o fez. A flor, ao se olhar no reflexo do lago, não gostou do que viu.

— Mas assim fiquei toda verde: caule verde, pétalas verdes… Poderia trocar a cor?

— Por qual? —perguntou a fada já ficando levemente aborrecida.

— Quero ser amarela e brilhante, como o Sol.

E assim a fada o fez. A flor, então, olhou o seu reflexo no lago.

— Ih, não ficou como eu esperava. Meu centro e minhas extremidades ficaram da mesma cor.

— O que prefere então? — indagou a fada, um pouco mais aborrecida.

Ao avistar mirtilos, a flor pediu:

— Quero que minhas pétalas sejam azuis como os mirtilos.

E assim a fada o fez. A flor, então, olhou o seu reflexo no lago.

— Ih, não ficou como eu esperava.

— E que cor prefere então? —indagou a fada, um pouco mais aborrecida.

Ao avistar morangos, clamou:

— Quero que minhas pétalas sejam vermelhas como os morangos.

E assim a fada o fez. A flor, então, olhou o seu reflexo no lago.

— Ih, também não gostei. Não ficou como eu esperava.

A fada ainda trocou a cor da flor mais algumas vezes e, por fim, já muito irritada, bradou:

— Já chega, Dona Flor! A senhora não sabe o que quer. Volte a ser o que era desde o começo, e aprenda a aceitar a si mesma.

A fada então transformou a flor no que era antes e foi embora, fula da vida.

A flor, ao rever suas pétalas brancas no reflexo do lago, por fim, se contentou.

— É, acho que eu já gostava de ter minhas pétalas brancas, como pérolas, desde o começo. Eu só não sabia ainda.

Por Artur e Rafael Gobbo

(A história foi inventada pelo meu filho e escrita por mim. Por isso a dupla autoria.)

Mo chros

Na terra distante em que nasci
A vida era meio besta, sem graça,
E logo findava, com a morte à espreita.

A cruz, fincada no chão, nos lembrava:
De inutilidade a inutilidade, a viagem acaba.
E não temos o bilhete de volta.

Porém, nos momentos epifânicos, 
Em que a cruz é corporificada, 
Nossa profundidade e altitude 
Excedem a vivência ordinária...

É quando a parte é maior que o todo,
E o infinito cabe na palma da mão.

Pela janela

Foto por Lisa Fotios em Pexels.com
Pela janela do quarto dava pra ver
O sol que de vez em quando vem;
O céu que constantemente muda de cor,
E que, por convenção, dizemos que é azul.

Pela janela do quarto dava pra ver
O desabrochar das flores, o começo do outono,
O devir e suas consequências:
Em suma, a vida em constante mudança, viva.

Mas já não olho para a janela.
Tudo que vejo é o que está em mim.

Flor de cerejeira

Foto por u90b1 u97ec em Pexels.com
A flor de cerejeira que ontem vi
Hoje já não está aqui.
As cartas e fotos antigas, 
Há muito guardadas,
Já não trazem memórias vivas.
O tempo tudo destrói!
Só nos resta acalentar a chama da vela
Trêmula e incerta, mas ardente...
Ardendo até que a cera acabe.
Ó flor fugaz, brota pra mim!
Pelo menos mais uma vez...
Se não hoje, ou amanhã,
Rebenta, bela, no ano que vem.

Stella Maris

Minha esposa, psicóloga, já me alertou que sou compulsivo, ou tenho comportamento compulsivo — não me lembro exatamente as palavras dela. Além disso, vale deixar registrado que leio desordenadamente; às vezes vários livros ao mesmo tempo.

Pode-se notar, pelo preâmbulo acima, minha impulsividade. Quando “preciso” fazer algo, dou um jeito, e não sossego até conseguir. O grande escritor norte-americano Cormac McCarthy morreu recentemente, e me senti impelido a ler algo seu. Já havia lido “A estrada”, obra da qual gostei bastante, mesmo me deixando com um mal-estar em alguns momentos. Os seus clássicos westerns contemporâneos não me interessam muito. Optei por conhecer o seu último livro lançado: Stella Maris. Como estou numa época de contenção de gastos, cacei um PDF do livro na internet que me fosse acessível sem ter que pagar por ele. Só achei o texto no original, em inglês. Estou lendo-o assim mesmo, só para poder suprir a necessidade de ler “o que tenho que ler”.

A história se passa nos anos 1970, quando uma jovem esquizofrênica e superdotada em matemática dá entrada, por vontade própria, em uma clínica especializada em saúde mental.  Pois bem, o nome do hospital psiquiátrico é o que dá nome ao livro, que em quase sua totalidade é a transcrição da gravação de sete conversas dessa jovem com o médico que está acompanhando o caso dela.

Tenho um ente querido que tem esquizofrenia. Ler Stella Maris está sendo uma das formas de compreendê-lo melhor. Ainda não terminei a leitura, mas já li boa parte. Me arrisco a dizer que é uma das melhores coisas que venho lendo ultimamente.

Para alguns, o livro pode não agradar por faltar “ação”. No meu caso, que me interesso por histórias em que ideias são discutidas, a obra parece que foi escrita para mim. Temas como física quântica e filosofia aparecem nos diálogos, assim como outros assuntos intricados que demonstram a complexidade da mente humana. Recomendo.

Este texto, além de conter minhas impressões, bem superficiais, sobre um livro, é uma confissão; uma tentativa de me organizar. Como já afirmou Flannery O’ Connor — que, assim como McCarthy, é um dos expoentes da literatura gótica sulista: “Escrevo para descobrir o que sei.”